Detran de SC confirma irregularidade na transferência de veículos
A irregularidade na transferência para Santa Catarina de veículos batidos de outros Estados, denunciada pela reportagem de “A Notícia” em setembro do ano passado, foi confirmada pela corregedoria do Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina (Detran-SC). “AN” teve acesso ao relatório de quase 600 páginas – resultado de investigação interna – entregue ao Ministério Público.
A denúncia motivou abertura de inquérito civil na Promotoria da Moralidade de Joinville e investigação do Departamento Nacional de Trânsito(Denatran). Um inquérito também foi aberto recentemente pela Promotoria de Defesa do Consumidor.
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A denúncia dava conta de que o Detran-SC deixou de cumprir a resolução 362 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) por pelo menos três anos. A norma publicada em outubro de 2010 obrigava todos os Detrans a informar o número do certificado de segurança veicular (CSV) – que corresponde à vistoria de veículos recuperados de acidente, aprovada pelo Inmetro – no campo de observação do documento.
O número deve ser emitido nos documentos de veículos que sofreram danos de média monta. Assim, o consumidor pode ter acesso a informações sobre o passado do veículo.
Após a publicação da reportagem, em setembro de 2014, a corregedoria do Detran iniciou uma maratona de inspeção em todas as Ciretrans do Estado. A última etapa ocorreu na semana passada, no Oeste
Por enquanto, a sindicância entregue ao MP corresponde apenas à investigação na 2ª Ciretran, em Joinville. Porém, o diretor do Detran, Vanderlei Olívio Rosso, garantiu que o relatório final será encaminhado ao MP e ao Denatran.
Quando estiveram em Joinville, em outubro do ano passado, os fiscais selecionaram aleatoriamente 19 processos de transferência de veículos de São Paulo para Santa Catarina em 2013 e 2014. Todos os procedimentos apresentaram a irregularidade.
— (Os processos) foram aceitos e emitidos sem qualquer observação, seja de CSV ou sinistro — concluiu o relatório.
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Responsabilidade
Cinco pessoas foram identificadas como as responsáveis pela auditoria dos processos que caíram na peneira. Duas funcionárias terceirizadas, uma contratada, a ex-supervisora do setor e o atual supervisor, que era subordinado na época. No entanto, a sindicância concluiu que a responsabilidade é apenas da ex-supervisora Denise Bolduan Bittencourt, já que ela respondia pelo setor quando ocorreram as transferências irregulares.
— Se ela própria descumpria tendo conhecimento da obrigatoriedade e não repassou aos subordinados, é ela quem responde — avaliou a delegada corregedora, Fedra Luciana Konell Alcântara da Silva.
À reportagem, Denise disse que não cumpriu a norma por falta de orientação. Como a ex-supervisora é policial civil, uma sindicância aberta pela corregedoria da polícia vai apurar se houve algum tipo de transgressão disciplinar ou crime. No relatório final, a corregedoria do Detran ressaltou que a mostra de processos avaliados é um reflexo do que vinha acontecendo na Ciretran.
— Em todos os processos fiscalizados, sem exceção, deixou de ser inserido o número do CSV, o que nos leva a acreditar que o mesmo ocorreu com a totalidade dos processos, no período em que respondeu pela supervisão.
Confira o vídeo em que os despachantes confirmam irregularidade:
Sem informação, dizem funcionários
Os demais funcionários que auditaram os processos fiscalizados alegaram falta de informação. O atual supervisor, Julian Mielke, auditou apenas uma transferência de forma irregular quando ainda era subordinado. Ele relatou aos fiscais que não tinha conhecimento da resolução na época, mas que se inteirou sobre ela quando assumiu a supervisão, em maio do ano passado.
A sindicância concluiu que durante a coordenação de Julian não houve mais nenhuma transferência irregular. As funcionárias terceirizadas e contratadas relataram que só tomaram conhecimento do assunto após a denúncia publicada pelo jornal “A Notícia”. A sindicância destacou ainda que o acesso ao sistema deveria ser restrito ao supervisor do setor.
Despachante muda versão em sindicância
Os despachantes responsáveis pelo encaminhamento da documentação investigada foram ouvidos. Dos cinco, três afirmaram que conheciam a resolução. Porém, negaram conhecer qualquer tipo de facilitação por parte dos funcionários da 2ª Ciretran.
Um dos despachantes que alegou não ter conhecimento sobre a resolução é o mesmo procurado por “AN” durante a investigação jornalística. Na época, ele disse que a transferência irregular estava ocorrendo até a semana anterior, mas que havia sido interrompida quando Julian Mielke assumiu a supervisão do setor.
— Até quinta passada (15/5/2014), estavam transferindo normalmente esses veículos. Agora, bloqueou. Inclusive, tem vários processos parados aqui por causa disso — disse na época.
Outros despachantes e garagistas procurados por “A Notícia” no ano passado revelaram ter conhecimento sobre a irregularidade. Por enquanto, com base nos depoimentos colhidos durante a investigação, a corregedoria entendeu que a falha não foi intencional.
— Ela (Denise) não deu a devida importância a uma norma tão importante. Mas (a sindicância) não apurou nenhuma má-fé, no máximo a culpa pela omissão — avaliou a delegada corregedora, Fedra Luciana Konell.
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Sistema do Denatran tem de ser melhorado
No relatório final da sindicância, a corregedoria atribuiu parte da responsabilidade ao Denatran. A irregularidade só foi possível porque o sistema não transfere automaticamente a informação do sinistro, como ocorre com os outros dados do veículo. Esta é a única informação que precisa ser inserida manualmente.
— Desde a implantação do sistema SISCSV, para validar certificados de segurança veicular, em 2006, os Detrans vêm solicitando a integração do SISCSV com o sistema Renavam, para que nas transferências de UF o sistema faça constar os campos de observações nos documentos veiculares. Tal solicitação foi formalmente reiterada em todas as reuniões, sendo que, até hoje, nenhuma providência foi tomada — conclui o relatório.
Schirlei Alves